Ensaio Teórico das Curas Instantâneas

De todos os fenômenos espíritas, sem contradita, um dos mais extraordinários é o das curas instantâneas. Compreendem-se as curas produzidas pela ação firme de um bom fluido; mas pergunta-se como esse fluido pode operar uma transformação súbita no organismo, e, sobretudo, por que o indivíduo que possui essa faculdade não tem acesso sobre todos aqueles que são atingidos da mesma doença, admitindo que haja especialidades. A simpatia dos fluidos é uma razão, sem dúvida, mas que não satisfaz completamente, porque ela nada tem de positivo nem de científico. 

No entanto, as curas instantâneas são um fato que não se poderia colocarem dúvida. Se não tivessem em seu apoio senão os exemplos dos tempos recuados, poder-se-ia, como alguma aparência de fundamento, considerá-los como lendários, ou, pelo menos, como ampliados pela credulidade; mas quando os mesmos fenômenos se reproduzem sob nossos olhos, no século mais cético com respeito às coisas sobrenaturais, a negação não é mais possível, e se é forçado a neles ver, não um efeito miraculoso, mas um fenômeno que teve ter sua causa nas leis da Natureza ainda desconhecidas.

A explicação seguinte, deduzida das indicações fornecidas por um médium em estado de sonambulismo espontâneo, é baseada sobre considerações fisiológicas que nos parecem lançar uma luz nova sobre a questão. Ela foi dada por ocasião de uma pessoa atingida de enfermidades muito graves, e que perguntava se um tratamento fluídico poderia lhe ser salutar.

Por racional que nos pareça esta explicação, não a damos como absoluta, mas a título de hipótese e como assunto de estudo, até que haja recebido a dupla sanção da lógica e da opinião geral dos Espíritos, único controle válido das doutrinas espíritas, e que possa lhe assegurar a perpetuidade.

Na medicação terapêutica é preciso remédios apropriados ao mal. O mesmo remédio, não podendo ter virtudes contrárias: serão mesmo tempo estimulante e calmante,    calórico e refrescante, nem pode convir a todos os casos; é por isto que não há remédio universal.

Ocorre o mesmo com o fluido curador, verdadeiro agente terapêutico, cujas qualidades variam segundo o temperamento físico e moral dos indivíduos que o transmitem. Há fluidos que super excitam e outros que acalmam, fluidos duros e fluidos dóceis, e muitas outras nuanças. Segundo suas qualidades, o mesmo fluido, como o mesmo remédio, poderá ser salutar em certos casos, ineficaz e mesmo nocivo em outros; de onde se segue que a cura depende, em princípio, da apropriação das qualidades do fluido à natureza e à causa do mal. Eis o que muitas pessoas não compreendem, e porque se admiram de que um curador não cure todos os males. Quanto às circunstâncias que influem sobre as qualidades intrínsecas dos fluidos, elas foram suficientemente desenvolvidas no capítulo XIV da Gênese, para que seja supérfluo relembrá-las aqui.

A essa causa toda física de não cura, é preciso acrescentar-lhe uma toda moral que o Espiritismo nos faz conhecer; é que a maioria das doenças, como todas as misérias humanas, são expiações do presente o do passado, ou provas para o futuro; são dívidas contraídas das quais se devem suportar as conseqüências até que se as tenha quitado. Aquele, pois, não pode ser curado porque deve suportar sua prova até o fim. Este princípio é um motivo de resignação para o doente, mas não deve ser uma desculpa para o médico que procuraria, na necessidade da prova, um meio cômodo de abrigar sua ignorância.

As doenças, consideradas só do ponto de vista filosófico, têm duas causas que não foram distinguidas até hoje, e que não poderiam ser apreciadas antes dos novos conhecimento trazidos pelo Espiritismo; é da diferença dessas duas causas que ressalta a possibilidade das curas instantâneas nos casos especiais e não em todos.

Certas doenças têm sua causa original na própria alteração dos tecidos orgânicos; é a única que a ciência admitiu até hoje; e como ela não conhece para remediá-la senão as substâncias medicamentosas tangíveis, não compreende a ação de um fluido impalpável tendo por propulsor a vontade. No entanto, as curas magnéticas estão aí para provar que isso não é uma ilusão.

Na cura das doenças dessa natureza, pelo influxo fluídico, há substituição das moléculas orgânicas mórbidas por moléculas sadias; é a história de uma velha casa da qual se substituem as pedras carcomidas por boas pedras; sempre se tem a mesma casa, mas restaurada e consolidada. A torre Saint-Jacques e Notre-Dame de Paris acabam de sofrer um tratamento deste gênero.

A substância fluídica produz um efeito análogo ao da substância medicamentosa, com esta diferença de que sua penetração, sendo maior, em razão da tenuidade de seus princípios constituintes, ela age mais diretamente sobre as moléculas primárias do organismo que não podem fazê-lo as moléculas mais grosseiras das substâncias materiais. Em segundo lugar, sua eficácia é mais geral, sem ser universal, por que suas qualidades são modificáveis pelo pensamento, ao passo que as da matéria são fixas e invariáveis, e não podem se aplicar senão em casos determinados.

Tal é, em tese geral, o princípio sobre o qual repousam os tratamentos magnéticos. Acrescentamos sumariamente e por memória, não podendo aqui aprofundar o assunto, que a ação dos remédios homeopáticos em doses infinitesimais está fundada sobre o mesmo princípio; a substância medicamentosa sendo levada, pela divisão, ao estado atômico, adquire até um certo ponto as propriedades dos fluidos, menos, no entanto, o princípio anímico, que existe nos fluidos animalizados e lhes dá as qualidades especiais.

Em resumo, trata-se de reparar uma desordem orgânica pela introdução, na economia, de materiais sãos para substituir os materiais deteriorados. Esses materiais sãos podem ser fornecidos pelos medicamentos comuns em natureza; por esses mesmos medicamentos no estado de divisão homeopática; enfim, pelo fluido magnético, que não é outra do que a matéria espiritualizada. São três modos de reparação, ou melhor, de introdução e de assimilação dos elementos reparadores; todos os três estão igualmente na Natureza, e têm sua utilidade segundo os casos especiais, o que explica porque um triunfa onde outra fracassa, porque haveria parcialidade em negar os serviços prestados pela medicina comum. São, em nossa opinião, três ramos da arte de curar destinados a se suprirem e a se completarem segundo a circunstância, mas dos quais nenhum está fundado em se crer a panacéia universal do gênero humano.

Cada um desses meios poderá, pois, ser eficaz se for empregado a propósito e apropriado à especialidade do mal; mas, qualquer que seja, compreende-se que a substituição molecular, necessária ao restabelecimento do equilíbrio, não pode se operar senão gradualmente, e não como por encantamento e por um golpe de varinha; a eu rã, se ela for possível, não pode ser senão resultado de uma ação firme e perseverante, mais ou menos longa conforme a gravidade dos casos.

No entanto, as curas instantâneas são um fato, e como elas não podem mais ser miraculosas do que os outros, é preciso que elas se cumpram em circunstâncias especiais; o que prova é que elas não ocorrem indistintamente para todas as doenças, nem sobre todos os indivíduos. É, pois, um fenômeno natural cuja lei é preciso procurar; ora, eis a explicação que dele foi dada; para compreendê-la, seria preciso ter o ponto de comparação que acabamos de estabelecer.

Certas afecções, mesmo muito graves e passadas ao estado de crônicas, não têm por causa primeira a alteração das moléculas orgânicas, mas a presença de um mau fluido que as desagrega, por assim dizer, e perturba-lhes a economia.

Ocorre como num relógio de bolso do qual todas as peças estão em bom estado, mas cujo movimento é detido ou desregulado pela poeira; nenhuma peça há para se substituir, e, no entanto, ele não funciona; para restabelecera regularidade do movimento, basta limpar o relógio do obstáculo que o impede de funcionar.

Tal é o caso de um grande número de doenças cuja origem é devida aos fluidos perniciosos dos quais o organismo está penetrado. Para obter a cura, não são as moléculas deterioradas que é preciso substituir, mas um corpo estranho que é preciso expulsar; desaparecida a causa do mal, o equilíbrio se restabelece e as funções retomam o seu curso.

Concebe-se que, em semelhante caso, os medicamentos terapêuticos, destinados pela sua natureza a agir sobre a matéria, sejam sem eficácia sobre um agente fiuídico; também a medicina comum é impotente em todas as doenças causadas pelos fluidos viciados, e elas são numerosas. À matéria pode se opor a matéria, mas a um fluido mau é preciso opor um fluido melhor e mais poderoso. A medicina terapêutica fracassa naturalmente contra os agentes fluídicos; pela mesma razão, a medicina fíuídica fracassa lá onde seria preciso opor a matéria à matéria; a medicina homeopática nos parece ser a intermediária, o traço de união entre esses dois extremos, e deve particularmente triunfar nas afecções que se poderiam chamar mistas. Qualquer que seja a pretensão de cada um desses sistemas à supremacia, o que há de positivo é que, cada um de seu lado obtém incontestáveis sucessos, mas que, até o presente, nenhum justificou de estarem posse exclusiva da verdade; de onde é preciso concluir que todos têm sua utilidade, e que o essencial é aplicá-los a propósito.

Não temos que nos ocupar aqui dos casos em que o tratamento fluídico é aplicável, mas da causa pela qual esse tratamento, às vezes, pode ser instantâneo, ao passo que em outros casos ele exige uma ação continuada.

Esta diferença prende-se à própria natureza e à causa primeira do mal. Duas afecções que apresentam, em aparência, sintomas idênticos, podem ter causas diferentes; uma pode ser determinada pela alteração das moléculas orgânicas, e, neste caso, é preciso reparar, substituir, como me foi dito, as moléculas deterioradas por moléculas sadias, operação que não se pode fazer senão gradualmente; a outra, por infiltração nos órgão sadios, de um fluido mau que lhe perturba as funções. Neste caso, não se trata de reparar, mas de expulsar. Estes dois casos requerem, no fluido curador, qual idades diferentes; no primeiro, é preciso um fluido mais doce do que violento, rico, sobretudo, em princípios reparadores; no segundo, um fluido enérgico, mais próprio para a expulsão do que a reparação; segundo a qualidade desse fluido, a expulsão pode ser rápida e como pelo efeito de uma descarga elétrica. O doente, subitamente liberto da causa estranha que o fazia sofrer, sente-se imediatamente aliviado, como ocorre na extirpação de um dente estragado. O órgão, não estando mais obliterado, retorna ao seu estado normal e retoma as suas funções.

Assim podem se explicar as curas instantâneas, que não são, em realidade, senão uma variedade da ação magnética. Elas repousam, como se vê, sobre um princípio essencialmente fisiológico e nada têm de mais miraculoso do que os outros fenômenos espíritas. Compreende-se, deste então, porque essas espécies de cura não são aplicáveis a todas as doenças. Sua obtenção prende-se, ao mesmo tempo, à causa primeira do mal, que não é a mesma em todos os indivíduos, e às qualidades especiais do fluido que se lhe opõem. Disto resulta que tal pessoa que produz efeitos rápidos não está sempre própria a um tratamento magnético regular, e que excelentes magnetizadores são impróprios às curas instantâneas.

Esta teoria pode se resumir assim: “Quando o mal exige a reparação de órgãos alterados, a cura é necessariamente lenta, e requer uma ação continuada e um fluido de uma qualidade especial; quando se trata da expulsão de um mau fluido, ela pode ser rápida e mesmo instantânea.”

Para simplificar a questão, não consideramos senão os dois pontos extremos; mas, entre os dois, há nuanças infinitas; quer dizer, uma multidão de casos onde as duas causas existem simultaneamente em diferentes graus, e com mais ou menos preponderância de cada uma; onde, por conseqüência, é preciso, ao mesmo tempo, expulsar e reparar. Segundo a das duas causas que predomine, a cura é mais ou menos lenta; se for a do mau fluido, depois da expulsão é preciso a reparação; se for a desordem orgânica, depois da reparação é preciso a expulsão. A cura não é completa senão depois da destruição das duas causas. É o caso mais comum; eis porque os tratamentos terapêuticos têm, freqüentemente, necessidade de ser completados por um tratamento fluídico e reciprocamente; é também porque as curas instantâneas, que ocorrem nos casos onde a predominância fluídica é, por assim dizer, exclusiva, não poderão jamais se tornarem um meio curativo universal; elas não são, consequentemente, chamadas a suplantar nem a medicina, nem a homeopatia, nem o magnetismo comum.

A cura instantânea radical e definitiva pode ser considerada como um caso excepcional, tendo em vista que ela é rara: 1° que a expulsão do mau fluido seja completa na primeira vez; 2°que a causa fluídica não seja acompanhada de alguma alteração orgânica, o que obriga, nume no outro caso, a ela retornar várias vezes.

Enfim, não podendo os maus fluidos virem senão de maus Espíritos, sua introdução na economia se liga, freqüentemente, à obsessão. Disto resulta que, para obter a cura, é preciso tratar, ao mesmo tempo, o doente e o Espírito obsessor.

Estas considerações mostram quantas coisas é preciso ter em conta no tratamento dos doentes, e quanto resta ainda a aprender sob este aspecto. Além disto, elas vêm confirmar um fato capital, que ressalta da obra/A Gênese, que é a aliança do Espiritismo e da ciência. O Espiritismo caminha no mesmo terreno que a ciência até os limites da matéria tangível; mas ao passo que a ciência se detém nesse ponto, o Espiritismo continua o caminho, e prossegue suas investigações nos fenômenos da Natureza, com a ajuda dos elementos que haure no mundo extra-material; somente lá está a solução das dificuldades contra as quais a ciência se choca.

Nota. A pessoa cujo pedido motivou esta explicação está no caso dos doentes de causas complexas. Seu organismo está profundamente alterado, ao mesmo tempo que está saturado dos fluidos mais perniciosos, que a tornam incurável somente pela terapêutica comum. Uma magnetização violenta e muito enérgica não produziria senão uma superexcitação momentânea, logo seguida de uma prostração maior, ativando o trabalho da decomposição. Ser-lhe-ia preciso uma magnetização doce, por muito tempo sustentada, um fluido reparador penetrante, e não um fluido que sacode mas não repara nada. Ela é, conseqüentemente, inacessível à cura instantânea.

Fonte: Revista Espírita, Março de 1889